domingo, 22 de maio de 2011

Em terra de surdos mudos (um estudo sobre as condições de produção de textos escolares)


De fácil leitura e entendimento o autor procura trabalhar neste artigo, publicado originalmente em Trabalhos em lingüística aplicada, 2, 1983 e integrado posteriormente ao livro às interpretações dadas por diversos contextos à produção de texto.
O autor inicia este trabalho citando as errôneas interpretações dadas a redação nas escolas. O conceito equivocado, o sentimento de repulsa dos alunos e a análise crítica e impiedosa dos professores fazem parte desta primeira parte, que o autor conclui debatendo algumas críticas à produção de texto escolar.  
 Cita ainda que se inclui no grupo de quem se preocupa “mais com as causas e as razões do que com a condenação pura e simples do estudante” (p.117) que não sabe escrever bem. Acredita que “a questão que se coloca é descobrir os porquês e os dondes decorrem essas inadequações e o que ela revelam.” (p.118) Essas concepções do autor são baseadas em Claudia Lemos (1977) que através da “estratégia de preenchimento” procurou explicar os problemas de redação colocando-o numa visão funcional e discursiva; e, Alcir Pécora (1980) que levantou questões inéditas e instigadoras sobre o problema.

A escola: o grande interlocutor


Neste trecho o autor esclarece que a linguagem possui um caráter próprio interlocutivo, e que a próprio monólogo é a interlocução consigo mesmo, “um diálogo interiorizado” (p.118).
E como tal, na linguagem escrita pode-se perceber o interlocutor, ou os vários interlocutores a quem são dirigidas: ao definido, como numa carta; ao genérico como num jornal; ou virtual como na ficção literária. E é ele quem vai determinar o curso do texto.
Aí reside um dos problemas da redação escolar: o aluno escreve para o professor, como o professor deve desejar... Não explora o que ele, aluno, deseja, mas o que o professor vai lhe conceituar bem. Escreve com palavras que não usa cotidianamente, de forma descontextualizada de seu universo. Consequentemente erra ao não saber conectá-lo a sua frase, danificando o sentido da estória.
Britto afirma ainda que a figura do professor não funcione como peça neutra, mas o aluno haverá de, através da fusão de várias imagens, inclui-lo na imagem final de seu processo de aprendizagem.

A construção da imagem de língua: o formalismo aparente


Neste momento Britto explica o conceito de Claudia Lemos (1977, p.62) citado por ele logo no inicio deste texto. Estratégia de preenchimento, segundo a autora, para “o vestibulando, em geral, operaria com um modelo formal preexistente à sua reflexão sobre o tema. Ou melhor, que a organização sintático-semântica de sua discussão não representaria o produto de sua reflexão sobre o tema, mas, ao contrário, de um arcabouço ou um esquema, preenchido com fragmentos de reflexões ou evocações desarticuladas.” (p.121) Ou seja, esse estudante apenas moldaria o tema proposto para redação ao modelo já antes utilizado. Nesse processo, muitas vezes, o estudante por não ter o hábito de utilizar tais palavras cometeria erros de flexões de verbo, inversões sintáticas, substituição sistemática de palavras, etc. Seria como se o estudante tivesse a necessidade de preencher o espaço designado a redação com palavras “cultas”.
O professor e autor Britto relata algumas experiências em que pode constatar a teoria da autora. E uma frase sintetiza essa experiência “é a própria imagem que o estudante cria de seu interlocutor (a escola, o professor) que determina a criação da imagem de língua e, consequentemente, define os procedimentos lingüísticos utilizáveis.”(p.123)
Mostrando que sabe, o aluno se anula, nega sua capacidade lingüística oral e cria imagem de língua a partir das relações sociais em que o aluno identifique marcas de autoridade, padrão culto, etc.

As marcas da oralidade


                  Apesar de muitos acharem que escrever é a representação da fala, Gnerre(1978) acredita que nunca será a mesma coisa. De acordo com esse autor, “a escrita é o resultado histórico indireto de oposição entre grupos sociais que eram e são ‘usuários’ de uma certa variedade.” Da mesma forma, Osakabe (1982) defende que “do ponto de vista de sua aprendizagem, a língua escrita e a língua oral apresentam dificuldades de natureza distinta.” (p.123)
O autor acrescenta a estas concepções, a idéia que 'o processo de construção da redação é uma disputa (não uma integração) constante entre competência lingüística do estudante (basicamente oral, não-formal e descolarizada) e a imagem de língua escrita que cria a partir da imagem do interlocutor e de interlocuções privilegiadas.” (p.125)

Exercício de linguagem X exercício escolar

                        
De acordo com o autor, o aluno que encara um papel em branco para escrever, mesmo que seja de “dizer por dizer” não espera que vá discutir suas idéias. Ele sabe que o faz para ser aprovado, e o molda em favor de quem o vai analisar.  Nesse contexto, suas palavras serão as idéias da autoridade e as palavras terão um papel artificial, muitas vezes sem conexão com o universo do escritor-aluno. Afastando assim, de forma irrefutável o lúdico da prova de redação. Isso se verifica em qualquer estágio escolar, inclusive no vestibular.
O caráter artificial desta situação dominará todo o processo de produção de redação, sendo fator determinante de seu resultado final.” (p.126)


           O texto na sala de aula, org. João Wanderley Geraldi - 2002 - Editora Atica          

Um comentário:

  1. Adorei a postagem foi muito útil no meu trabalho da faculdade.. obrigado :)

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